terça-feira, 10 de março de 2009

51 - Missão falhada ao Japão

Quando, em Novembro de 1962, o Director-Geral de Minas me telefonou a informar que eu tinha sido nomeado para representar o País, em reuniões que iriam ser realizadas em Tóquio, tomei esta nomeação como distinção que me era concedida, face ao invejável currículo que já, nessa data, podia ostentar.

Convencido de que a matéria a analisar se situaria no âmbito da prospecção mineira, onde vinha exercendo a minha actividade, rejubilei com a oportunidade que me era facultada de, mais uma vez, representar o País.

Ao receber, porém, a documentação que tinha sido acumulada na DGMSG a este respeito, há mais de um ano, fiquei perplexo.

A matéria em causa versaria o estabelecimento, em bases científicas, de normas para a amostragem de lotes de minérios de ferro, e as respectivas análises químicas.

Quanto à amostragem, ainda pensei que me seria possível fazer adequada preparação no escasso tempo disponível (cerca de 3 meses), cumulativamente com as funções de Chefe da Brigada do Sul do SFM.
Para tal, adquiri livros de Cálculo das Probabilidades e Estatística, matérias que não tinham constado do meu curso universitário

Quanto às análises, ainda contactei o Engenheiro Químico do SFM, que dirigia o Laboratório instalado nos Serviços Geológicos, convicto de que seria ele a desempenhar-se dessa matéria.

Todavia, tendo consultado o Director-Geral, foi-me respondido que seria eu o único técnico a representar o País nas reuniões de Tóquio.
Não se mostrava, porém, preocupado quanto à qualidade dessa representação. Considerava suficiente a presença, como observador, justificada por o País ser exportador para o Japão, de minérios de ferro extraídos de jazigos existentes no Estado de Goa, nessa data, ainda sob a soberania portuguesa.

Não me conformando com esta atitude, que considerava desprestigiante para o País, fiz ofício de 8 páginas dactilografadas explicando as razões pelas quais me via forçado a renunciar a tal missão.

Desse ofício, com data de 11-2-1963, registado no arquivo da Brigada do Sul com o n.º 305/B:S., transcrevo as seguintes passagens:

“No que respeita às amostragens, há dois pontos fundamentais: o primeiro é a compreensão das normas propostas; o segundo é a análise crítica das mesmas.
Quanto ao primeiro, embora tenha ainda algumas dúvidas na interpretação de determinados conceitos, por se tratar de matéria que me não era familiar, poderei considerá-lo suficientemente dominado.
O segundo exigiria bons conhecimentos de Cálculo das Probabilidades e Estatística, que não possuo nem tenho tempo de adquirir.
No que respeita às análises químicas, é evidente a minha impossibilidade de vir a dominar o assunto. Não se consegue, normalmente, obter, em meses, a experiência que só os anos dão aos indivíduos com formação científica adequada. É matéria para um Engenheiro Químico que, na vida profissional, haja sobretudo, procedido a análises de minérios de ferro ou que faça uma preparação nesse sentido, com a necessária antecedência.
Que o problema exige um cuidadoso estudo demonstra-o a correspondência de vários países com a Organização Internacional de Normalização.
Com efeito, esta Organização começou por enviar, em Março de 1961, para estudo pelos países interessados, a norma japonesa sobre métodos de amostragem de minérios de ferro e métodos de determinação de calibres de minério e de humidade.
Esta norma tem muitíssimo interesse.
Se, na data em que foi recebida, e na qual Portugal informou que participaria nos trabalhos da comissão técnica internacional que iria constituir-se para estudo das normas relativas a minérios de ferro, tivessem sido designados os técnicos da futura representação portuguesa, não surgiriam talvez hoje dúvidas quanto ao êxito da missão.
O estudo desta norma e a sua análise crítica, para conscienciosamente se determinar se ela seria de aceitar, rejeitar ou corrigir nalguns pontos, permitiria, com facilidade, fazer a análise das normas que posteriormente foram recebidas e que constituem a matéria a discutir em Tóquio.
Houve um questionário formulado em 1961, pelo documento ISO/TC 102 (Secretariat-1) 1E. que, como já dissemos, não chegou ao nosso conhecimento.
Todavia, através das respostas ao mesmo contidas no documento ISO7TC 102 (Secretariat-10) 10 E, verificamos que:
a) A Bélgica informava, em 1961, ter em vias de constituição a comissão nacional encarregada de assistir o Instituto que, naquele país, representa a ISO, nestes trabalhos.
b) Vários países propõem a divisão do trabalho por grupos de sub-comissões.
c) A França, concordando com a cidade de Tóquio para local da reunião, mas considerando as despesas que resultarão para os membros da delegação francesa, emite o parecer de que seria extremamente desejável que esta primeira reunião conduzisse a resultados frutuosos, concluindo que importaria, portanto, que cada comissão membro pudesse preparar esta reunião o mais cedo possível.
d) A Alemanha sugere que a reunião tenha lugar numa cidade europeia, informando, contudo, que esperava enviar um representante a Tóquio. A decisão final só seria posteriormente tomada.
e) A Itália manifesta-se em desacordo com a reunião de Tóquio, porque estaria impedida de se fazer representar.
f) A Polónia informa não poder participar por motivo das elevadas despesas da viagem.
g) A Suécia considera aconselhável a reunião na Europa, deixando dúvidas quanto à sua representação.
h) O Reino Unido informa ser extremamente improvável poder enviar uma delegação a Tóquio. Aconselharia a Europa Ocidental
i) A Argentina informa que provavelmente não assistirá.
j) Os Estados Unidos da América do Norte, segundo uma informação não oficial, comunicariam, mais tarde, se participariam ou não.
k) O Canadá, a Índia, a Rússia e a Bulgária concordaram com a escolha de Tóquio para local da reunião.
l) Numerosos países, entre os quais Áustria, Brasil, Chile, Espanha, Grécia, Irão, Nova Zelândia, Paquistão, República da África do Sul, Suíça, Turquia, Estados Unidos da América do Norte, Jugoslávia, não responderam ao questionário.
Concluímos das respostas a este questionário, que na próxima reunião de Tóquio, haveria um certo grau de certeza quanto à participação dos seguintes países: Rússia, Índia, Bulgária, França, Canadá, Japão e Portugal e probabilidade de representação dos Estados Unidos da América do Norte, Alemanha e Suécia.
A reunião será, portanto, na melhor das hipóteses, restrita a 10 países, alguns dos quais nos são nitidamente hostis, do ponto de vista político.
Por todos os motivos, seria da maior conveniência uma representação condigna de Portugal
Não faria também sentido que as avultadas despesas que originaria a deslocação do delegado português, no período de austeridade que o País atravessa – tanto mais que, segundo concluo da correspondência trocada com a Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais não foi fácil obter a verba de 40 000$00 para esta missão – não tivessem a compensação de uma representação condigna.
A probidade profissional que me honro de sempre ter demonstrado, impedir-me-ia também de representar o País, nas condições que se me depararam.
Em face do exposto, é com verdadeira mágoa que venho declarar a V. Ex.ª que, sendo manifestamente impossível preparar-me para um satisfatório cumprimento da missão de que V. Ex.ª me incumbiu na capital japonesa, no próximo mês de Março, renuncio ao seu desempenho.
Nesta data, entrego a V. Ex.ª a documentação que recebi sobre este assunto.
Como se trata de uma primeira reunião em que será analisado ainda um ante-projecto, é de presumir que outras reuniões venham a realizar-se, tanto mais que agora, numerosos países membros da ISO se não farão provavelmente representar.
Seria, talvez de designar, desde já, a comissão portuguesa que estará presente em futuras reuniões, a fim de ela poder iniciar, com tempo, a sua preparação.
Em tal comissão, reputamos essencial a presença de um engenheiro químico.
Aproveito o ensejo para afirmar a V. Ex.ª, que, na medida das minhas possibilidades, continuarei ao dispor para quaisquer outras missões que V. Ex.ª entenda dever confiar-me, solicitando, no entanto, a nomeação com a antecedência que me permita uma conveniente preparação.”


Fui propositadamente a Lisboa entregar este ofício e toda a documentação que tinha recebido, ao Director-Geral, estando presente o seu Adjunto, o cognominado Ajax

O Director-Geral mostrou-se francamente desagradado, mas logo nomeou o Ajax para o desempenho da missão,

O Ajax imediatamente aceitou, sem hesitação, mas aconteceu que o Ministério das Finanças, tendo-se apercebido da situação, não autorizou o dispêndio que a missão iria originar.

Receoso de que ao meu ofício não tivesse sido dada entrada, anexei cópia ao meu relatório do mês de Fevereiro de 1963.

Julgo que, como retaliação, o Director-Geral nomeou um Inspector Superior que recentemente tinha deixado o cargo de Director do SFM, para representar o País nas reuniões do Grupo “ad hoc” constituído na OCDE sobre métodos modernos de prospecção.
Fez esta nomeação sem me informar de eu ter sido substituído nas funções parta que tinha sido designado pelo anterior Director-Geral.
O resultado foi desastroso, conforme referi no post N.º 22.

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