segunda-feira, 17 de maio de 2010

123 – As realidades e as fantasias do Director-Geral de Munas. Continuação 4

Continuando na análise da fantástica Comunicação do Director-Geral de Minas ao Congresso 78, vou agora pôr em evidência graves malefícios originados pela sua ingerência na actividade do Serviço de Fomento Mineiro, em flagrante contradição com actuação positiva que pretendeu fazer passar aos congressistas.

Já demonstrei, no post n.º 120, com vários exemplos, o seu clamoroso erro ao declarar terminada a prospecção de jazigos que se denunciem por afloramentos.

A atenção do SFM, em sua opinião, apenas se justificaria na procura de jazigos sem afloramentos.

São suas as afirmações seguintes: No que respeita à prospecção de jazigos não aflorantes, a situação evidentemente é bem diferente. ….
No entanto, deve dizer-se que, entre nós, este processo – a prospecção de corpos ocultos – nem é novo, nem está nos seus primórdios"
.

Exalta, depois, até à exaustão, a “capacidade técnica dos nossos prospectores, o alto nível científico e técnico alcançado pelas respectivas equipas, quer no que respeita a estudos efectuados, quer no que interessa a resultados obtidos”.

Tudo isto me pareceu estranho, ao lembrar-me que comentara depreciativamente, com o seu adjunto (jocosamente baptizado de Ajax, o mais poderoso), o meu desperdício de tempo com vectores, referindo-se à aplicação da gravimetria, cujo papel em prospecção mineira excedia a sua capacidade de entendimento.

Durante as incursões que fizera, em 1974, na 1.ª Brigada de Prospecção, onde, alguns anos antes, havia introduzido o Geólogo Delfim de Carvalho, seu astucioso afilhado, descobriu um valioso arquivo técnico, constituído por muitos milhares de mapas (geológicos, gravimétricos, magnéticos, de resistividade eléctrica, de polarização espontânea, de aplicação do método electromagnético Turam, geoquímicos de Cu, Pb, Zn, MPef, etc) à escala 1:5 000 e algumas dezenas às escalas de 1:25 000, 1:50 000. 1: 100 000.

Logo pensou em publicar alguns desses mapas, para realçar a capacidade dos Geólogos e dos Engenheiros, que os teriam produzido. Ignorava, porém que todo esse arquivo fora por mim organizado, com a eficiente participação de pessoal das Secções e com escassa ou nula intervenção dos técnicos superiores da Brigada (Ver post n.º27).

Qualquer publicação teria de passar pela minha supervisão, pois esses mapas estavam ainda em fase de interpretação, e eu não confiaria essa fase a qualquer dos técnicos da Brigada, por saber não estarem preparados para tão importante tarefa.

Na verdade, após a minha demissão da chefia da 1.ª Brigada de Prospecção, foi publicada uma carta magnética à escala 1:25 000, de área do Alentejo, com uma notícia explicativa, contendo erros, que me levaram a aproveitá-la, em ponto de exame aos meus alunos da Faculdade de Ciências do Porto, para que os detectassem, tão evidentes eles eram.
A este tema, voltarei, mais tarde.

Foi sobretudo na selecção de áreas para estudo pelo SFM que a ingerência do Director-Geral se revelou particularmente perniciosa.

São suas as seguintes curiosas afirmações:

“Que há muito a fazer, muito se poderá esperar quanto a resultados, é evidente que ninguém duvida. Mas também não será menos verdadeiro e menos evidente que, também aqui, (até principalmente aqui) não terão cabimento sonhos de fabulosas riquezas por toda a parte, à espera do primeiro vidente para as detectar”.
Longe da cobertura total das áreas geologicamente potenciais para todas as principais substâncias, a verdade é que serão muito raras, se existirem, as parcelas virgens consideradas mais promissoras”.

Este nebuloso discorrer, ora optimista, ora negativista, é bem revelador da confusão reinante no seu espírito, quanto à disciplina a que devia obedecer a actividade do SFM.
De facto, muitos foram os estudos que nem sequer deixou iniciar, por considerar que não iriam gerar as fabulosas riquezas que pretendia.

Ora o real papel do SFM, estava bem explícito, logo no artigo 1.º do Decreto-lei de sua criação. Nele se estabelecia que “compete ao Estado o estudo sistemático da riqueza mineira do País, para o seu melhor aproveitamento, conforme os interesses superiores da economia nacional”.

Estudo sistemático significa que todas as potencialidades deveriam ser investigadas, obviamente com bases científicas e não em meros "palpites".
O único problema seria o estabelecimento de prioridades e este evoluiria, em função dos novos conhecimentos que se iam adquirindo.

Ideias negativistas, sem base científica, seriam, evidentemente, de rejeitar.

Não foi, porém, esse o raciocínio do Director-Geral.

Não autorizou que se atacasse, o problema do volfrâmio e do estanho, do Norte e do Centro do País, porque, em seu entender, a prospecção tinha já sido feita, durante a 2.ª Guerra Mundial, com as botas, na sua curiosa expressão, referindo-se à intensa procura efectuada, nessa época, em que o volfrâmio atingiu elevadíssimas cotações, porque a sua utilização era essencial às indústrias de guerra de ambos os contendores.

Apenas se justificava, seguindo ele, a procura de jazigos de scheelite, por poderem ter passado despercebidos, devido à semelhança deste mineral com minerais estéreis, à simples observação visual. E julgou que poderia orientar essa prospecção, apenas com a colaboração de Geólogos recém-licenciados, em princípio de carreira.
Já referi o “fiasco” em que redundou tal orientação.
Chegou a retirar uma sonda que estava a prestar bons serviços na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima, para aplicar no chamado jazigo de Cravezes, que não passava de uma ocorrência, em fase inicial de estudo, a exigir mais aprofundada investigação, antes de se justificarem sondagens.
Quando a sonda foi retirada da região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima, estava projectada uma das sondagens com melhores prognósticos, pois se baseava em pronunciadas anomalias magnética e geoquímica de tungsténio, em zona onde se descobrira afloramento de skarn (a rocha hospedeira da scheelite), bem mineralizado.

Mais tarde, a área, onde estava projectado esta sondagem, foi adjudicada, à Companhia americana Union Carbide, sem que eu tivesse sido consultado sobre as cláusulas contratuais. A Companhia, sem executar estudos adicionais, baseando-se exclusivamente nos dados fornecidos pelo SFM, imediatamente passou a fazer sondagens, com os resultados positivos que se esperavam, isto é interceptou níveis de skarn com teores de tungsténio muito superiores aos do minério que estava a ser explorado nas Minas de Valdarcas, Fervença e Cerdeirinha.

Sempre contrariou a investigação de possíveis concentrações de minerais de crómio, níquel, cobre e até metais do grupo da platina, associadas às rochas básicas e ultra-básicas de Trás-os-Montes.
No entanto, quando uma empresa portuguesa associada à Companhia canadiana Noranda, me contactou interessada em fazer investimentos com vista a futuras explorações mineiras e lhe indiquei tal possibilidade, logo a aproveitou e através de contrato que firmou com o Estado, realizou diversos trabalhos de prospecção, que fui acompanhando, com muito interesse.
Além de levantamentos geológicos, geofísicos e geoquímicos, a empresa executou várias sondagens. Houve, deste modo, um acréscimo notável de conhecimento acerca desta área, embora não se tivesse chegado a descoberta de concentrações que justificassem exploração.
Não se espera que a atitude das Companhias, em matéria de prospecção coincida com a que deve ter um Organismo de Estado.
As Companhias destinam um determinado orçamento e um determinado período de tempo para realizarem os seus estudos. Se após o esgotamento do orçamento e do tempo previsto, conseguem bons resultados, requerem ou novos contratos ou concessões de exploração. Caso contrário, dão por terminada a sua presença no País, deixando documentação e testemunhos de sondagens, que poderão, mais tarde, ser utilizados em novos estudos, pois o seu abandono não significa, necessariamente que não existam jazigos minerais. Apenas podem considerar-se diminuídas as probabilidades de existirem, para as possibilidades das técnicas, à data, utilizáveis.

No que respeita a áreas do Norte e Centro do País, onde eram conhecidos jazigos auríferos ou manifestações da sua existência, nunca permitiu que fossem realizados os estudos sistemáticos que se impunham.
Já me referi aos obstáculos criados para poder dar apoio solicitado pelo concessionário das Minas de Jales, que se encontravam em exploração enfrentando grandes dificuldades no reconhecimento do seu sistema filoniano.
Pretendi aplicar, em vasta área abrangendo as Minas de Jales e Três Minas, o método electromagnético Turam, que tanto sucesso tivera num caso semelhante: o sistema filoniano de Aparis. O Director-Geral não contrariou os obstáculos que o Director do SFM criou à execução desta campanha de prospecção.

Com esta zona aconteceu o mesmo que com a faixa de rochas básicas e ultra-básicas de Trás-os-Montes. Indiquei, à empresa BP Minerals, esta área para investigação e soube que ela realizou importantes estudos, sem contudo chegar a conclusões que a entusiasmassem a estabelecer contrato com o concessionário para passar ela a fazer uma exploração em moldes mais científicos.
Ignoro se os resultados dos seus trabalhos foram arquivados no SFM, como eu costumava fazer, pois me foi progressivamente retirado o contacto com os investidores.

Curiosamente, ao mesmo tempo que não proporcionava as condições para que se realizassem criteriosamente os estudos para investigação das existências de ouro, no Norte e no Centro do País, para cumprimento dos programa que eu apresentava anualmente, mostrou-se pressuroso em auxiliar, sem base legal, entidade privada que sonhava com fabulosas riquezas em risco de se perderem, devido à construção da barragem de Fratel, no Rio Tejo, perto de Vila Velha de Ródão.
Vem de recuada data o conhecimento de que as areias do Rio Tejo e de alguns dos seus afluentes contêm ouro, em proporções muito reduzidas. Embora não fosse de desprezar o seu estudo, havia outras áreas com muito maior prioridade, não se justificando portanto alterar a programação existente, para satisfazer pedido, sem base legal, de entidade privada que era conhecida pela sua especialização em acumular alvarás de concessões mineiras com o propósito de os negociar, aproveitando-se da complacência da DGMSG para com estes infractores da legislação vigente.
Tendo-me recusado a colaborar nesta ilegalidade, o Director do SFM introduziu mais uma indisciplina na actividade deste Organismo. Determinou que o 2.º Serviço se encarregasse de fazer os estudos que a entidade privada tinha requerido, para que se aproveitasse "uma riqueza que estava em risco de se perder".
O 2.º Serviço, que já havia demonstrado a sua incapacidade técnica, ao terminar com os Trabalhos Mineiros Clássicos no SFM, acabou por fazer mais uma demonstração dessa incapacidade. “As vastas ocorrências auríferas, porventura as de maiores dimensões entre nós”, a que o autor do relatório que apresentou e que foi publicado no Boletim de Minas (!) não deram, afinal, origem, até hoje, que eu saiba, a quaisquer explorações (Ver post n.º 70).

Ocorre-me, reflectir se, no momento presente, não seria viável, em termos económicos, a exploração de algumas das numerosas ocorrências auríferas conhecidas ou que tivessem sido descobertas, se se tivesse efectuado a prospecção racional que se impunha.
A actual cotação de 31 euros/gr (Ver JN de 8-5-2010) permitiria, sem dúvida, explorar concentrações de muito mais baixo teor que as exigidas na época em que o problema se colocou.

Já me referi pormenorizadamente ao extraordinário caso do jazigo de chumbo de Braçal – Malhada - Coval da Mó, em que o Director-Geral consentiu o encerramento de minas que se encontravam em exploração, sem que se notasse escassez de reservas, apenas por baixa ocasional de cotação do metal, sabendo-se que tal situação é cíclica. (Ver posts n.ºs 59 a 66)
Em vez de aproveitar estas minas para estudo, visto que não estavam reconhecidas devidamente, preferiu lançar-se no reconhecimento das Minas de Talhadas há muito encerradas e com menor potencialidade revelada.
Nem andamento deu ao projecto de sondagens no Cabeço do Telégrafo, perto das Minas do Braçal, com base em excepcional alinhamento de anomalias geoquímicas de Pb que apresente, em 17.09.74, por “não simpatizar com filões“ (Ver post n.º 66)
O seu pouco entusiasmo com os filões não impedia, contudo, de permitir que o 2.º Serviço mantivesse em estudo, com muito deficiente orientação técnica, quer as minas de Talhadas, quer a de Barrigão, esta última localizada no interior de área adjudicada a empresas com predomínio da capitais canadianos, que por ela não mostrava o mínimo interesse, dada a pequena extensão do filão conhecido.

Continua …

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