quarta-feira, 4 de maio de 2011

164 – Audiência concedida pelo Ministro Veiga Simão

A diligência directa junto do Ministro Veiga Simão, a que aludi no post anterior, foi-me sugerida pelo Geólogo Dr. Orlando da Cruz Gaspar, que exercia as suas funções no Laboratório da DGGM, já então tornado independente do SFM.
O Dr. Orlando Gaspar era um dos raros funcionários que se mantinham interessados na normalização da actividade do SFM.
Nas nossas conversas, lamentávamos a situação caótica a que se havia chegado e a quase total ineficácia das minhas exposições a membros dos sucessivos Governos.
É certo que, após a Revolução de 25 de Abril de 1974, se tinha verificado a destituição de um Director-Geral e o cargo de Director do SFM já ia no terceiro ocupante.
Mas, nas substituições, não se atendera aos currículos, com ostensivo desrespeito por recomendações repetidamente expressas em leis e Resoluções de Conselhos de Ministros (Ver, por exemplo, posts N.ºs 128 e 133).
Os novos dirigentes evidenciaram além de incompetência ainda maior que os seus antecessores, grande arrogância nas infelizes decisões que tomavam.
Embora as minhas 13 exposições anteriores não tivessem produzido o resultado naturalmente expectável, eu estava confiante que Veiga Simão daria bom acolhimento à que eu lhe dirigira.
É que a indigitação de Veiga Simão, para membro de Governo, não obedecera essencialmente a filiação partidária, ao contrário do que fundamentara a nomeação dos Ministros e Secretários de Estado da Indústria, que o tinham precedido.
Veiga Simão era um cientista e o seu desempenho de importantes cargos no regime político de Salazar – Caetano não constituiu obstáculo à nomeação para idênticas funções, em democracia.
Eu tivera oportunidade de apreciar uma demonstração do seu saber, quando visitei o Laboratório de Física da Universidade de Lourenço Marques, no âmbito de programa das Jornadas de Engenharia, que ali se realizaram em 1965.
Fiquei verdadeiramente impressionado com os trabalhos de Física Nuclear que os alunos ali realizavam, evidenciando um ensino prático em matéria de grande actualidade.
Na Faculdade de Ciências do Porto, onde regia a cadeira de Prospecção Mineira, eu mantinha frequentes contactos com o Departamento de Física, para aperfeiçoar a minha preparação em métodos geofísicos e não observava que a tal matéria fosse prestada a mesma atenção.
Do notável currículo de Veiga Simão, impressionavam-me sobretudo as iniciativas para democratização do ensino, concretizadas na criação de novas Universidades.
E tinha presente o seu comentário, no magno encontro a que me referi no post N.º 155, lamentando a falta de iniciativas para aproveitamento das riquezas minerais, existentes em áreas cuja potencialidade lhe tinha sido revelada.
A minha exposição de 27-3-84 chamava precisamente a atenção para as minhas iniciativas, ao longo de dezenas de anos, das quais tinham resultado as mais importantes descobertas de riquezas minerais, em toda a história do SFM.
Mas denunciava que, a partir de determinada data, sobretudo após a Revolução, os obstáculos à minha actividade tornaram-se obsessivos, com a consequente quebra de produtividade do SFM.
Perante as gravíssimas acusações contidas na minha exposição, eu esperava de Veiga Simão, que tão expressivas provas tinha dado, de interesse pelo desenvolvimento do País, uma acção enérgica, para que a normalidade fosse restabelecida no SFM, com óbvia punição dos que estavam deliberadamente a dificultar a concretização dos objectivos para que aquele Organismo fora instituído.
Foi, por isso, profunda a minha decepção, quando recebi cópia parcial da documentação que eu tinha remetido, apenas com indicação de que dela tinha sido tomado conhecimento.
Eu tinha informação de que, durante o mandato de Soares Carneiro como Director-Geral de Minas (Ver post N.º 111), as minhas exposições nem às mãos dos governantes chegavam. Eram, logo que recebidas, encaminhadas para o Director-Geral de Minas, talvez por estes governantes, se não considerarem aptos a analisar assuntos de geologia e minas, para os quais não tinham preparação académica.
Como Soares Carneiro já tinha sido exonerado e Veiga Simão se me apresentava diferente dos seus antecessores, eu admitia que tal prática não subsistisse.
Mas a total ineficácia da minha última exposição era uma clara demonstração de que, afinal, essa prática se mantinha, pois não era credível que Veiga Simão ficasse indiferente perante as minhas gravíssimas acusações.
Reflectindo sobre o assunto, com o Dr. Orlando da Cruz Gaspar, concluímos que um contacto pessoal deveria ser tentado.
Acontecia que Dr. Gaspar era amigo do Professor Adriano Vasco Rodrigues, que, por sua vez, tinha cordiais relações com Veiga Simão, sendo todos sensivelmente da mesma idade e tendo frequentado, na mesma época, os mesmos estabelecimentos de ensino da cidade da Guarda.
O Dr. Gaspar sabia que o Professor Vasco era irmão de um cunhado meu. Apesar desta aproximação familiar, eu ainda não tivera oportunidade de estabelecer contacto com o Professor Vasco que, naquela data, exercia a sua principal actividade em Lisboa, nas funções de Director-Geral do Ensino Particular e Corporativo.
O Dr. Gaspar, conhecedor do espírito colaborante do Professor Vasco, sugeriu-me que, por seu intermédio, conseguisse ser pessoalmente ouvido pelo Ministro.
Segui o seu conselho e, Vasco, imediatamente se prontificou a solicitar a audiência pretendida.
Foi, em 27-4-1984, que Veiga Simão me recebeu, no seu gabinete, na Horta Seca, em Lisboa.
Vasco acompanhou-me e fez a minha apresentação, em termos elogiosos, realçando principalmente a minha actividade docente, em várias instituições de ensino superior.
Depois, eu comecei por referir os meus 40 anos dedicados ao SFM, durante os quais fui o principal autor das mais importantes descobertas de jazigos minerais efectuadas pelo SFM, com destaque para Neves-Corvo que, em breve, iria entrar em produção.
Descrevi mais pormenorizadamente as circunstâncias em que se verificou esta última descoberta e como, a nível da DGGM, houve o despudor de se desvalorizar o papel do SFM, chegando ao cúmulo de se condecorar o Geólogo Leca, que foi responsável pelo atraso de 5 anos na concretização deste êxito, laboriosamente por mim preparado, ao longo de dezenas de anos.!!!
Mencionei as ofensas de que tenho sido alvo, sobretudo da parte do actual Director-Geral, sem respeito pelo meu passado de dedicação ao SFM, as quais culminaram com a exigência de um relatório da minha actividade na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, totalmente descabido, porquanto tinha prestado informação superabundante sobre tal região, quer em numerosos relatórios (que me declararam não terem sido lidos), quer em exposições orais, no terreno, onde os trabalhos decorriam.
E cúmulo dos cúmulos, fui proibido de realizar trabalho de campo, sem que o Director-Geral se preocupasse sequer com o prejuízo ocasionado ao ensino que eu ministrava, no campo, a alunos das Faculdades de Ciências e de Engenharia do Porto e do Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro, em flagrante contradição com as suas promessas, publicamente formuladas, de dar toda a colaboração às Universidades, para que estas produzissem bons técnicos.
Citei ainda o encontro de 2 de Fevereiro, e a inqualificável falta de respeito e grosseria do mesmo Director-Geral, atrevendo-se a desmentir as minhas afirmações sobre factos em que estive envolvido.
Perante o que tinha exposto, disse pensar seriamente em passar à aposentação, consciente, porém, de que muito poderia ainda contribuir, com a experiência que tinha acumulado, para o progresso da indústria mineira nacional.
A concluir esta introdução, lembrei que tudo quanto dissera estava pormenorizadamente descrito, na vasta documentação que lhe tinha enviado em 27-3-1984, da qual lhe apresentava novas cópias.
O Ministro disse desconhecer tal documentação e até considerou isso normal, porque os assuntos de minas eram, logo que recebidos, encaminhados para o Secretário de Estado Rocha Cabral e nem lhe chegavam às mãos. Confirmavam-se assim as minhas suposições.
Manifestou grande surpresa com as minhas acusações, pois até “julgava que, nas Minas, tudo corria bem”!
Torci o nariz e disse que a situação, na DGGM, era caótica e o ambiente insuportável, para quem pretendesse manter seriedade e dignidade no seu trabalho.
Veiga Simão foi passando os olhos pelas cópias da documentação, mostrando-se impressionando com o que ia sabendo.
Prometeu ler, olhando-me fixamente e dando a entender que apreciara a minha frontalidade.
Quando nos despedimos, de novo, insistiu que iria analisar.
Vasco Rodrigues, à saída, mostra satisfação pela boa receptividade do Ministro e comenta, para mim, que Veiga Simão ficou verdadeiramente motivado e era pessoa para agir.

Continua …

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