domingo, 24 de julho de 2011

179 – Nova discussão sobre Plano Mineiro Nacional. Continuação 3

Continuo a analisar o documento da autoria do Geólogo José Goinhas, com o título “Prospecção Mineira em Portugal. Áreas potenciais de aplicação de projectos”, publicado no fascículo 1 do Volume 22 do Boletim de Minas, respeitante ao ano de 1985.

Este documento, segundo informação do autor, é um “estudo elaborado no âmbito dos trabalhos preparatórios do Plano Mineiro Nacional”.

Conforme revelei anteriormente, mereceu, juntamente com todos os outros estudos efectuados com o mesmo objectivo, despacho laudatório de um Secretário de Estado.
Não é credível que o Secretário tenha lido atentamente os documentos que louvou, pois se isso tivesse feito, mesmo tendo em consideração a sua escassa preparação em assuntos da indústria mineira, fácil lhe teria sido detectar incoerências e erros, no documento que estou a analisar.
A Comissão Editorial do Boletim de Minas que seleccionou este documento para publicação, provavelmente, também o não terá lido atentamente ou não se terá apercebido dos grosseiros erros nele contidos.
Se apenas este e outro, igualmente de reduzido interesse para o efeito pretendido, como irei demonstrar, foram os únicos escolhidos para publicação, ocorre-me perguntar qual o mérito dos restantes 21.

José Goinhas tem a veleidade de afirmar, no final do seu documento, “ser esta a primeira vez que se aborda a problemática das potencialidades dos recursos minerais do País de forma integrada e sistematizada, que poderá conter para além do simples interesse informativo, também um interesse pedagógico".
E acrescenta que, "terá valido a pena, só por isso, todo o trabalho de análise da bibliografia disponível, muita dela inédita, e de compilação de grande volume de informação dispersa resultante da experiência acumulada de um vasto leque de técnicos ligados à geologia e à prospecção mineira".

A minha opinião é, porém, diferente.
Não valeu a pena tão penoso quão inglório esforço, pois o que dele resultou não só foi inútil para o objectivo pretendido, como até pode considerar-se prejudicial.
Na realidade, Goinhas introduziu ideias perigosas sobre temas a que era alheio, e extraiu conclusões erradas, a partir de fontes de duvidosa qualidade ou de fontes que interpretou levianamente.
Além disso, ou se absteve de consultar importantes documentos existentes no arquivo do SFM, como eram, por exemplo, os Planos de trabalho da Brigada do Sul e da \1,ª Brigada de Prospecção, ou decidiu ignorar o que neles poderia contrariar as suas ideias preconcebidas sobre o tema de que aceitou encarregar-se.
A este respeito, vêm à minha memória, versos de Nicolau Tolentino, ocorrendo-me adaptar a Goinhas o conselho do poeta a personagem que emitia sons inconvenientes:
Este tempo que gastaste em tão inútil crónica, insensato, não poderias tê-lo aproveitado a fazer trabalho de geologia na Faixa Zincífera Alentejana, do qual estavas encarregado e para o qual te foram dadas especiais condições para um bom desempenho?

Na minha análise, limitar-me-ei apenas às matérias respeitantes à prospecção mineira, nas quais estive directamente envolvido, no desempenho da minha actividade profissional, já então longa de 40 anos.

A seguir, apresento os meus comentários:

1 –
Em primeiro lugar, impunha-se que o autor definisse concretamente o seu entendimento quanto aos estudos que incluía no âmbito da prospecção, pois o termo prospecção tanto pode ser usado no seu sentido restrito, isto é, limitando-se à aplicação de técnicas à superfície, como no seu sentido lato, abrangendo todos os trabalhos, até à definição de reservas minerais.
Recordo que, no período inicial do SFM, grande parte da actividade nas Brigadas e nas Secções dispersas pelo País, consistia em trabalhos classificados como de pesquisa e reconhecimento de jazigos ou ocorrências minerais anteriormente identificadas, não se incluindo no âmbito da prospecção.
Simultaneamente, aplicavam-se técnicas geofísicas, com o objectivo de encontrar prolongamentos de jazigos conhecidos ou concentrações minerais que não aflorassem. Apenas nestes casos, se considerava praticar a prospecção mineira.
A este respeito, recordo a reacção do segundo Director do SFM, o Eng.º Guimarães dos Santos, quando o contactei, acompanhado pelo Dr. Robert Woodtly, para que aproveitasse a colaboração que a OCDE oferecia para aplicação de métodos modernos de prospecção.
Guimarães dos Santos disse, então, que prospecção só se justificava no Sul do País, onde eu incluía, nas actividades diversificadas que dirigia, na qualidade de Chefe da Brigada do Sul, trabalhos dessa natureza (Ver post N.º 4).
Só em 1964, quando fui encarregado de dirigir a prospecção mineira em todo o território metropolitano nacional, é que a prospecção passou a ter o seu sentido lato, isto é, a incluir todas as fases até à definição de reservas minerais.
Todavia, deixaram de prosseguir, sob a minha direcção, importantes trabalhos de reconhecimento que estavam em curso no Sul do País, sobretudo na Mina de Aparis do concelho de Barrancos, onde já se havia chegado à definição de reservas economicamente exploráveis.
Goinhas, que participava nas reuniões periódicas, na sede da 1.ª Brigada de Prospecção, em Beja, deveria ter apreendido que toda actividade desenvolvida com o objectivo de chegar à definição de reservas minerais, estivesse ou não a cargo da Brigada sob minha chefia, se considerava enquadrada no âmbito da prospecção.
No documento que analiso, isto está muito confuso, ficando dúvidas sobre a amplitude dos estudos a que se refere. Embora pareça ter optado pelo sentido restrito, faz citações, que se enquadram no sentido lato.

2 - No que respeita à primeira fase da prospecção mineira, Goinhas pretende impressionar o leitor, mencionando mais de duas centenas de documentos, publicados ou não, que disse ter consultado para fazer a “compilação” que apresentou.
É para mim evidente que não consultou todos os documentos constantes da extensa bibliografia com que termina o seu documento.
Resulta também óbvia a falta de cuidado nas consultas que, de facto, efectuou.
Por outro lado, omite documentos de grande importância, alguns dos quais contrariam muitas das suas afirmações.
Mais adiante farei a respectiva demonstração.

3 – Relativamente à fase seguinte, geologia preliminar, com vista a uma primeira selecção de áreas para investigação por métodos geofísicos e geoquímicos, os erros de Goinhas são indesculpáveis.
Ele tinha obrigação de saber que ao SFM se ficou devendo a mais valiosa contribuição neste domínio, desde o início da década de 40 do passado século.
Este trabalho incidiu sobretudo no Sul do País, sob minha directa orientação, com maior incidência na Faixa Piritosa Alentejana e esteve principalmente a cargo de Engenheiros, Agentes Técnicos de Engenharia e pessoal auxiliar devidamente instruído.
Foi realizado, em sucessivas fases, começando por levantamentos à escala de 1:50 000, passando depois à escala de 1:5 000, com separação das unidades litológicas passíveis de identificação por simples exame macroscópico.
Desta fase resultou a definição de potencialidades para ocorrência de jazigos minerais, antes desconhecidas, em vastas áreas do Alentejo.
Dentre elas, sobressaem a Região de Castro Verde – Almodôvar e a Região de Cercal – Odemira. Em ambas se considerou possível a existência de jazigos de pirites complexas idênticas às da tradicional Faixa Piritosa.
Tudo isto foi claramente exposto no relatório de minha autoria “Prospecção de pirites no Baixo Alentejo”, parcialmente publicado, em 1955, no Volume X de “Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro”. (Ver post N.º 9)
Goinhas, apesar de mencionar este relatório na bibliografia, demonstra não o ter lido!

Foi, em resultado dessa importante fase, que se projectaram novos estudos, que conduziram à descoberta do jazigo de Neves – Corvo, além de outros êxitos a que adiante me referirei.
Goinhas, referindo-se à tese de Gunther Strauss sobre o jazigo de pirite do Louzal, tem a ousadia de afirmar ter sido este Geólogo alemão quem estabeleceu, pela primeira vez, um modelo genético e estrutural para os jazigos de sulfuretos complexos maciços da Faixa Piritosa.
Esta afirmação, como muitas outras que irei refutar, está longe de corresponder à verdade.
Sem deixar de reconhecer o mérito excepcional de Gunther Strauss, com quem tive longas e frutuosas reuniões e a quem proporcionei visita de estudo à Mina de cobre de Aparis, que lhe mereceu rasgados elogios, devo esclarecer que, não sendo Geólogo, sempre estive atento aos estudos que iam surgindo, em revistas da especialidade, acerca da interpretação estrutural de jazigos idênticos aos da Faixa Piritosa Alentejana, existentes em outras paragens.

Desde fins da década de 50, isto é, alguns anos antes do aparecimento da tese de Strauss, que era de meu conhecimento o artigo de Oftedahl intitulado “A Theory of exhalative sedimentary ores”, que se tornou clássico, sobre a interpretação da génese dos jazigos da Faixa Piritosa.
Por outro lado, eram muito frequentes os meus contactos com prestigiados Geólogos de várias nacionalidades que surgiram no Alentejo, quer para fazer teses de doutoramento quer para prestarem colaboração às empresas concessionárias da exploração dos jazigos de S- Domingos e de Aljustrel.
Dentre esses contactos destaco os havidos com o Professor de Universidade holandesa, Mc Gillavry e seus discípulos, ocupados em teses de doutoramento e com o Professor David Williams do Imperial College of Science and Technology, de Londres.
A tese do Geólogo holandês Van den Boogard, sobre a região do Pomarão, representou, quanto a mim, o mais significativo progresso no conhecimento do enquadramento geológico dos jazigos da Faixa Piritosa.
A vinda do Professor Williams, para auxiliar a empresa Mason & Barry, que explorava o jazigo de S. Domingos, resultou de conselho que dei à empresa, com base nos artigos de David Williams “Genesis of Sulphide Ores” e “Further Relectiions on the Origin of the Porphyries and Ores of Rio Tinto, Spain”, publicados respectivamente em 1960 e 1962.
Com este Professor mantive depois correspondência, que ainda conservo, sobre estas matérias, durante o ano de 1963.
Chega a parecer inconcebível que Goinhas, na sua crónica sobre a história da prospecção mineira em Portugal, ignore todos os factos que acabo de relatar, sobretudo tendo em consideração que esteve integrado na 1.ª Brigada de Prospecção, onde estas matérias eram frequentemente debatidas.

Continua …

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