terça-feira, 2 de julho de 2013

215 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 6


        Prossigo nas minhas reflexões sobre o caso das Minas do Braçal, que seleccionei como um dos mais emblemáticos de oposição do poder ao saber praticados por dirigentes de Organismos oficiais.

        Além de grande insensibilidade perante um drama humano, que poderia ter sido evitado, ou, pelo menos, atenuado, houve, da parte destes dirigentes, grande desrespeito pelas leis em vigor!!

       A seguir transcrevo, do Decreto 18 713 de 1-8-1930, os artigos que foram despudoradamente ignorados:

        1 – Art. 90: As concessões mineiras podem ser declaradas abandonadas, por despacho do Secretário de Estado da Indústria, revertendo para o Estado:

                a) A requerimento do concessionário;

                b) Por caducidade da concessão

        2 – Art. 91: A DGMSG indicará em qualquer dos casos as medidas de segurança necessárias.

         3 – Art. 93: Verificando-se que o valor industrial  da mina é suficiente para justificar a possível continuação do seu aproveitamento,  será a concessão declarada abandonada, ouvido o Conselho Superior de Minas e Serviços Geológicos (CSMSG).

        4 – Art. 95: As concessões abandonadas poderão ser novamente atribuídas, por iniciativa do Estado ou a requerimento de qualquer interessado, sendo a atribuição, em regra, feita por concurso público.

        5- Art. 6:  Os acessórios das concessões mineiras constituem, para cada uma delas, um todo, uma universalidade, só podendo ser alienados separadamente, com autorização da Secretaria de Estado da Indústria

        .6 – Art. 94: Verificando-se que os depósitos ou jazigos minerais se encontram esgotados ou não possuem já suficiente valor industrial que justifique o subsequente aproveitamento dos minérios que contenham, será a respectiva concessão revogada, por despacho do Secretário de Estado da Indústria e declarada em campo livre, ouvido o CSMSG.

        Nunca foi explicado, ao País, o estranho procedimento da DGMSG, ao revogar a mais antiga concessão mineira, embora estivesse bem consciente de que o seu jazigo estava longe de esgotado.
        Recordo o sábio conselho de experiente consultor mineiro canadiano (Ver post N.º 209): Old mines never die…they just close down, and rest a while”.

      Afigurava-se-me que, de preferência a facilitar a emigração de operários especializados portugueses, o Governo deveria ter tomado medidas de protecção da indústria nacional, até porque era provável que a desvalorização dos metais resultasse de políticas proteccionistas, adoptadas por países ciosos de manterem as suas minas em laboração.

        Políticas dessa natureza ainda hoje se praticam, numa Europa dita Unida, mais ou menos camufladas e delas temos sido ingénuas vítimas.

        Bernardo Ferreira, durante o curto período em que o SFM esteve a seu cargo, tomou a iniciativa de acorrer em auxílio da concessionária, promovendo a realização de estudos que ela não tinha capacidade para executar.

        Era expectável que, perante a tragédia que agora acontecia, o novo dirigente do SFM, encaminhasse para aquelas Minas os meios técnicos e financeiros de que dispunha, de preferência a aplicá-los em áreas menos evoluídas ou de mais duvidosa potencialidade mineira.

       Conforme já referi, no preâmbulo do Decreto-lei N.º 29725, atribuía-se ao Governo tomar as medidas necessárias para que se não mantivessem inaproveitadas riquezas que oferecem possibilidades de trabalho para uma parte da população”

Dentre essas medidas, seriam normais as seguintes:

        a) proceder ao reconhecimento do jazigo, que, na realidade estava por fazer, como era regra, na grande maioria das minas que estavam em lavra activa;

        b) manter a mina em laboração, continuando a exploração do minério, nas bolsadas já conhecidas, de modo a evitar despedimentos de operários, que eram vitais para a manutenção deste importante centro industrial.

Em 1958, o SFM contava 19 anos de existência, sendo natural que já tivessem sido atingidos os desígnios de Bernardo Ferreira, quanto à formação pós-graduada do pessoal técnico.
Este problema do Braçal não deveria, consequentemente, oferecer dificuldades.

Mas não era isso que, de facto, acontecia.

       Os departamentos sediados no Norte e no Centro do País, afinal, pouco se tinham desenvolvido e ao Director do SFM nem sequer terá ocorrido contribuir para a solução dos problemas surgidos nas Minas do Braçal.

        Preferiu dispersar-se por minas abandonadas, com passado de reduzida ou nula importância, na sua maior parte localizadas no distrito de Bragança.

Nelas, entretinha o pessoal com pequenos trabalhos de pesquisa (sanjas, galerias, poços, chaminés) não procedendo a investigações geológicas de natureza estrutural e, muito menos, à aplicação dos métodos de prospecção geológica, geofísica e geoquímica aconselháveis.

A grande maioria destes estudos teve valor muito reduzido, como pode constatar-se pela análise dos relatórios anuais do SFM, publicados em Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro, nos quais predomina a descrição das actividades no Sul do País, com apresentação de resultados concretos.

Também a documentação que consultei, na sede do SFM, em S. Mamede de Infesta, no desempenho das funções de chefe do departamento de Prospecção Mineira, em que tinha sido investido, confirmou aquela negativa conclusão.

 Surpreendeu-me que, pouco após o encerramento do complexo mineiro do Braçal, a Brigada do Norte do 2.º Serviço, que tinha a seu cargo a execução de Trabalhos Mineiros tradicionais, tenha iniciado investigações nas Minas de Talhadas, localizadas no vizinho concelho de Águeda, as quais se encontravam na situação legal de abandonadas, desde fins do século XIX.

Já sem o encargo da exploração, teria sido mais fácil e útil proceder a um reconhecimento eficaz do jazigo de Braçal do que investigar os filões de sulfuretos, que tinham merecido modesta exploração, em minas há muito tempo abandonadas.

Nestas minas seria previsível deparar com grandes desmoronamentos, que obrigariam a avultados dispêndios para aceder aos locais onde fosse possível a colheita dos elementos necessários á caracterização do jazigo.

De facto, os trabalhos nelas efectuados foram dados por concluídos, sem resultados positivos, sobretudo por falta de apoio geológico. 
 
            Além de deficiências nas amostragens, não se conseguiu localizar a parte rejeitada de um filão, que se estava seguindo em direcção, quando se deparou com uma falha.

         Não posso deixar de registar que, na década de 50, a Brigada do Sul do SFM, tinha em curso trabalhos, na Mina de cobre de Aparis, localizada no concelho de Barrancos, cuja amplitude superava largamente os que, então, decorriam na Mina do Braçal.

        Não me seria, por isso, difícil tomar a meu cargo a continuidade das operações na Mina, que a Companhia Industrial e Agrícola do Braçal decidira terminar, esperando até melhorar a produtividade, como consequência da definição de reservas resultante do reconhecimento a que iria proceder.

        Tudo isto pode ser confirmado pelos desenvolvidos relatórios que, periodicamente, enviava para apreciação pelo Conselho Superior de Minas, sediado em Lisboa.

        Registo, contudo que este Conselho, sistematicamente reprovava as minhas propostas para que o SFM pudesse, na Mina de Aparis, fazer ensaios de exploração, a fim de obter dados sobre o real valor da Mina, na moeda de então, antes de a pôr a concurso público, para adjudicação da concessão.

        O Conselho Superior de Minas, qual “Brigada do Reumático”, fazia uma interpretação profundamente errada do Decreto que criara o SFM.

        Não estava, de facto, taxativamente consignado neste Decreto que o SFM pudesse ou devesse fazer trabalhos de exploração, nas reservas minerais que revelasse.

        Mas o artigo 5.º deste Decreto é bem claro ao determinar que os jazigos evidenciados por trabalhos realizados pelo Estado sejam propostos para concessão, nas condições especiais que se fixarem, tidas em conta a sua riqueza, as somas despendidas com o seu estudo, o valor do minério e as possibilidades do seu aproveitamento industrial.

        Era óbvio que, para conhecer o real valor do minério e as possibilidades do seu aproveitamento industrial, se tornasse indispensável conhecer o preço de custo da sua transformação em produto comerciável.

        Tal exigiria ensaios de exploração e concentração, sem comprometerem, obviamente, a actividade da empresa que viesse a obter a concessão.

         Não me foi, pois, facultado criar experiência em exploração de jazigos.

        Mas os conhecimentos teóricos que possuía e a experiência adquirida, nas variadas minas com trabalhos subterrâneos, em que já tinha actuado, ou em minas concedidas que tinha visitado, davam-me plena confiança para assumir o problema do Braçal.

        Aconteceu que, em 1963, em nova Orgânica instituída no SFM, tendo-me sido atribuída a chefia de um Departamento de Prospecção Mineira, os Trabalhos Mineiros tradicionais foram excluídos do âmbito da Prospecção.

        Eu tentara esclarecer o Director de que a Prospecção, no seu sentido lato, inclui todas as fases de estudo, até à definição de reservas de minério com valor comercial.

        Era minha intenção, conforme proposta que apresentei, instituir, na Mina de Aparis, novo piso, à profundidade de 210 m e continuar o reconhecimento do jazigo, por novos métodos (resistividade, polarização induzida, geoquímico), nas zonas em que sondagens mecânicas tinham confirmado os diversos ramos filonianos assinalados pelo método electromagnético Turam.

        Informei o Director de que facilmente poderia dirigir esses trabalhos, baseado na confiança que me inspirava a equipa, composta por pessoal competente, com experiência de mais de uma dezena de anos habituado à minha liderança.

        Manifestava, também, as minhas sérias apreensões quanto às consequências previsíveis da nova chefia que se anunciava para o prosseguimento desses trabalhos.

       Aconteceu, então, algo que pareceria impensável. O poder arbitrário persistiu em se opor ao saber originado de experiência válida.

        O Conselho Superior de Minas, sem o mínimo pudor, decidiu mudar de opinião, autorizando o Engenheiro que me substituiu na chefia dos trabalhos que, então, decorriam na Mina de Aparis, a proceder a trabalhos de exploração!!!

        Mas como este Engenheiro se sentiu incapaz de planificar tais trabalhos, recorreu a Professor do Instituto Superior Técnico, para assumir esse encargo!!

        Nunca antes tal sucedera! Eram os diplomados com cursos de Engenharia que iam completar a sua formação, em estágios no SFM!

        Conforme assinalei no post N.º 122, eu tencionava fazer da Mina de Aparis uma verdadeira Escola de Minas onde aperfeiçoariam a sua formação, não só Engenheiros, Geólogos e Agentes Técnicos de Engenharia, mas também pessoal das diversas profissões que intervêm na indústria mineira.

        Além disso, projectava-se ensaiar, nessa Escola, novos equipamentos que fossem surgindo no mercado, a facilitar o desenvolvimento da indústria mineira.
 
       Mas o que acabou por acontecer foi o Director-Geral Soares Carneiro adjudicar, precipitadamente, a concessão, a empresa constituída por um seu amigo e colega de curso, como sócio principal, propositadamente para exploração das parcelas mais ricas do jazigo, (Ver post n.º48, sobre o fim inglório do jazigo de Aparis)

      O Engenheiro que me substituíra tinha já sido responsável pela extinção de 3 Brigadas (Levantamentos Litológicos, Prospecção Eléctrica e Prospecção Geofísica), antes de terminadas os estudos que elas deviam realizar, os quais tiveram que ser retomados, logo que se me ofereceu a oportunidade e foi com tal retoma que surgiram grandes êxitos, com realce para a descoberta de Neves – Corvo.

      Com a transferência da Mina de Aparis para empresa privada, foi dado por extinto, no Sul do País, o sector dos Trabalhos Mineiros.

        Foi mais uma atitude “liquidatária” do citado Engenheiro.

        No Norte do País, também trabalhos, desta natureza, há muito, vinham declinando.

        Assim se foi progressivamente processando a decadência do SFM, que culminaria com a sua extinção!

         Continua…

         

 

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