terça-feira, 10 de setembro de 2013

221 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 12

O meu optimismo quanto ao início de nova era, no aproveitamento dos recursos minerais do País, em que passasse a respeitar-se a disposição legal que classifica esses recursos como “bens dominiais”, cuja exploração só é, portanto, permitida a portugueses, não teve, na devida conta, os numerosos poderes instalados, por favoritismo político–religioso, sem base em competência profissional, que demonstraram extraordinária capacidade de adaptação a qualquer regime político.

Sem o mínimo escrúpulo, detentores de poder, que tinham jurado exercer, com lealdade, as funções que lhes tinham sido confiadas, sobrepuseram os seus interesses pessoais ao interesse colectivo!

De facto, quando em 1962, tudo parecia bem encaminhado, acontecimentos inesperados vieram perturbar a entrada em vigor da nova era. Grande foi a minha surpresa, com a notícia de o Engenheiro Luís de Castro e Solla ter pedido a exoneração do cargo de Director-Geral de Minas (Ver post N.º 22).

Era óbvio que o próximo Director-Geral não se iria sentir vinculado ao projecto que Castro e Solla me havia transmitido, relativamente à nova chefia do Serviço de Fomento Mineiro (SFM).

Fernando Soares Carneiro foi o Engenheiro nomeado, em fins de Agosto de 1962, para o cargo de Director-Geral de Minas. Meu contemporâneo na Faculdade de Engenharia do Porto, não fora brilhante a sua carreira académica. Tinha classificação inferior à minha e à de vários outros colegas. Fizera o seu terceiro estágio no SFM, participando em trabalhos de prospecção e pesquisa mineiras, que estavam em curso nas Secções de Montemor-o-Novo e Cercal do Alentejo da Brigada do Sul.
Concluída a licenciatura, ingressou no SFM, e foi integrado na Brigada do Norte. A sua passagem, por este importante departamento da Direcção-Geral de Minas, limitou-se ao período de 1942 a 1944, e não deixou marca assinalável.
Achei, porém, estranho que uma das suas principais actividades tivesse sido desempenhada, assumindo o papel de Colector (submetido às instruções do colaborador Cotelo Neiva) em levantamentos geológicos da Região de Trás-os-Montes, quando tanto havia para investigar, no âmbito da Engenharia de Minas (Ver post N.º 120).
Em 1944, transitou para a Circunscrição Mineira do Norte e chefiava este departamento da DGMSG, quando foi indigitado para as funções de Director-Geral.

Atribuiu-se a nomeação a artigo publicado na Revista do SFM, sob o título “A riqueza da indústria extractiva metropolitana”, no qual fez sugestões para o desenvolvimento da indústria mineira nacional, criticando os seus próprios procedimentos como dirigente responsável pela atribuição de concessões sem respeito pela lei. (Ver post N.º 25)

Soares Carneiro não era detentor de um currículo que me induzisse a depositar grandes esperanças na sua actuação como Director-Geral. O auto-elogio que fez constar em livro de sua autoria, publicado no ano 2000, com o título, “ A Fala das Pedras. Histórias Mineiras”, sobre as suas actividades, é mais uma das muitas fantasias, com que se inebriou.

Não é verdade que tenha feito “quase tudo”, na indústria mineira. Pouco de útil fez, mas muito de prejudicial se lhe ficou devendo! Teria sido bem mais vantajoso para o País que tivesse tido menos intervenções no SFM, pois estas se centraram, essencialmente na satisfação de interesses pessoais.

Comportou-se como se dono fosse do Organismo, que lhe foi confiado, aproveitando-se das facilidades orçamentais que o Governo tinha atribuído ao SFM. Dotações atribuídas para trabalhos foram desviadas para compra de várias viaturas que passaram a estar ao seu serviço, praticamente exclusivo, em Lisboa. Assalariados que deviam ocupar-se em actividades mineiras, passaram a prestar serviço em Lisboa como motoristas em notório contraste com o seu antecessor, que se deslocava de autocarro!

O Eng.º La Cueva Couto, que chefiava a Brigada de Prospecção Geofísica (BPG), fora acometido, de grave enfermidade e viria a falecer em Novembro ou Dezembro (não posso precisar) de 1962.

Guimarães dos Santos não esteve presente no funeral, delegando em mim a representação da Direcção do SFM.

Perante a situação criada na BPG, Guimarães dos Santos, no uso dos seus poderes de Director, emitiu, em 11-12-1962, a Ordem de Serviço N.º 523, do seguinte teor:

“A Brigada de Geofísica, que prosseguirá com os trabalhos em curso no Sul, passa a ser chefiada pelo Eng.º de 2.ª Classe Fernando José da Silva”.

Esta Ordem constituía mais do que uma despótica demonstração de um poder absoluto, indiferente às minhas propostas no sentido de melhorar a produtividade do SFM, expressas nos relatórios e nos Planos de Trabalhos da Brigada do Sul.

Era um grave insulto à minha profissão e ao cargo que desempenhava, cuja dignidade tinha o dever de preservar. Perante tal desrespeito pela deontologia profissional, reagi, vigorosamente, por ofício, com data de 31-12-1962, explicitado em 14 páginas dactilografadas, nas quais chamei a atenção para as evidentes ilegalidades de que a ordem enfermava e para os funestos efeitos do seu cumprimento.

Extraordinária a celeridade com que Guimarães quis preencher a vaga ocorrida na BPG. Não tivera igual celeridade, em 1947, quando necessitou de um ano para me promover à categoria correspondente a chefia da BSFM, que eu desempenhava. Só corrigiu o lapso, que me pareceu intencional, depois de eu lhe ter chamado a atenção para a ilegalidade em que estava incorrendo.

O grupo de Engenheiros acomodados na sede do SFM no Porto já havia demonstrado, com vários procedimentos, que eu apenas poderia, deles esperar, atitudes hostis. Todavia, durante muitos anos, acreditei que Fernando José da Silva era um leal companheiro. E, nessa presunção, frequentes vezes acorri em seu auxílio, até em assuntos de carácter pessoal, por reconhecer a sua inferioridade, que chegava a causar-me embaraços, quando aconteciam confrontos com Agentes Técnicos de Engenharia, muito mais competentes. Só tardiamente percebi a sua subserviência perante o Grupo do Norte, a cuja protecção se acolhia, comportando-se como seu “infiltrado” no Sul.

O estranho comportamento que assumiu, no caso do processo disciplinar que fui forçado a mover a um perverso Agente de Engenharia, forneceu-me inesperadas provas da sua ingratidão e deslealdade. (Ver post N.º 91)

Tornou-se-me claro que aguardava a oportunidade de me conquistar a chefia de uma Brigada bem organizada, recolhendo as consequentes benesses, sem se aperceber quão difícil lhe seria manter a qualidade que nela se tinha atingido.



A seguir, transcrevo passagens do meu ofício ao Director:

“Com o devido respeito e, ao abrigo do disposto no § 4.º do art.º 9 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis, aprovado pelo Decreto-lei N.º 32659 de 9 de Fevereiro de 1943, cumpre-me declarar que considero a decisão de V. Ex.ª ilegal e contrária aos interesses do Serviço.

Com efeito, é óbvio que o interesse do País exige que, salvo caso de força maior, um funcionário não seja desligado das funções em que está investido, sem prestar contas do desempenho dessas funções, e sem transmitir a outrem, expressamente designado para tal fim, os poderes e valores que lhe hajam sido confiados para tal fim. Ora, nada disto sucedeu, no caso presente.

O Engenheiro Senhor Fernando José da Silva não apresentou relatório algum dos mencionados no meu ofício N.º 2217 de 6 do corrente, os quais se referem a estudos já concluídos” … “Pode, portanto, dizer-se que o Engenheiro Senhor Fernando José da Silva vai entrar em domínio, no qual tem muito pouca experiência, pois não deve esquecer-se que o método electromagnético continua a estar fora do âmbito da Brigada de Prospecção Geofísica.

É lógico, portanto, perguntar qual a utilidade desta nomeação.

Para já, sabe-se que houve manifesto prejuízo. O Engenheiro Senhor Fernando José da Silva, como tem em preparação relatórios referentes ainda à sua actuação na Brigada do Sul e está fora dos problemas da Brigada de Prospecção Geofísica, não pode dar aos trabalhos desta a assistência que seria para desejar. Limitar-se-á a “deixar correr”. É evidente que não foi para isto que foi nomeado.

Então, tinham-se-lhe criado, antes, as condições para poder deixar a Brigada do Sul, de forma a que, quando assumisse a chefia da Brigada de Prospecção Geofísica pudesse a ela dedicar-se inteiramente.

Anteriormente à nomeação do Engenheiro Senhor Fernando José da Silva, para a chefia da Brigada de Prospecção Geofísica, os trabalhos desta estavam decorrendo em franca e leal colaboração com a Brigada do Sul.

A Brigada do Sul, consciente como sempre esteve, da importância do problema do ferro do Sul do País e reconhecendo que há muito trabalho de campo que não teve ainda adequado tratamento no gabinete, destacou mesmo, para prestar colaboração à Brigada de Prospecção Geofísica, nesta matéria, o Engenheiro Senhor Vitor Alvoeiro de Almeida, que em Novembro ingressara na Brigada do Sul.

Planeava-se marcar novas sondagens na região de Cuba - Vidigueira, para dar continuidade ao estudo iniciado, nesta semana e que, há longos anos se acha interrompido sem se saber porquê.

É claro que a nomeação do Engenheiro Senhor Fernando José da Silva forçou a nova interrupção deste estudo.

Outros problemas sofreram inevitáveis atrasos, com manifesto prejuízo para o Serviço e, portanto, para o País”. … “De tudo o que ficou dito e do muito mais que haveria ainda para dizer, resulta evidente que a organização do Serviço, no Sul do País, se já era defeituosa, passou, a partir das recentes Ordens de Serviço, a sê-lo ainda mais.

Sabemos que o Ex.mo Senhor Engenheiro Director-Geral projecta uma reforma de toda a estrutura da Direcção-Geral de Minas e que o Serviço de Fomento Mineiro será também abrangido.

Isto seria argumento para esperar. Todavia, o tempo passa e não se recupera.

O Serviço de Fomento Mineiro tem uma missão basilar para a economia do País. Impõe-se que se tome verdadeira consciência dessa missão e que se retome, quanto antes, o caminho de que nunca deveria ter-se saído.

Há que conjugar os esforços de todos para que se faça a obra que ao Fomento foi confiada e não desperdiçar energias em tarefas como esta que eu sou agora forçado a enfrentar, bem contra minha vontade, quando problemas vitais aguardam a minha disponibilidade de tempo.

No caso do problema que tenho vindo a tratar a melhor solução, para o momento presente, seria, como já numerosas vezes tenho sugerido, a extinção da Brigada de Prospecção Geofísica, uma vez que, na prática, se tem verificado não ser propícia a uma eficiente colaboração a existência de Brigadas independentes.

Tem falhado a coordenação das suas actividades.

… Mas se se entender que deve manter-se a Brigada de Prospecção Geofísica, sugiro, então, que eu seja nomeado interinamente seu Chefe (não me considerando um perito em prospecção geofísica, tenho honra em afirmar que toda a actividade de prospecção geofísica do Serviço de Fomento Mineiro no Sul do País, resultou de iniciativas que tomei e para cujo cumprimento tenho arduamente combatido e colaborado activamente, durante largos anos, perante a incompreensão de alguns que as deveriam ter acarinhado) até se encontrar alguém com as qualificações necessárias para assumir essa chefia.

Como V.Ex.ª está em causa, neste assunto, requeiro respeitosamente que o mesmo seja superiormente apresentado, para que se encontre a solução que mais convém aos interesses do País.

Nesta data, envio cópia do presente ofício ao Ex.mo Senhor Director-Geral de Minas e Serviços Geológicos.”.


As reacções de Guimarães dos Santos e de Soares Carneiro não tiveram na mínima consideração o bom aproveitamento dos recursos minerais do País.
O objectivo para que foi criado o SFM foi completamente ignorado.

A Ordem de Serviço, nomeando Fernando Silva, Chefe da BPG foi mantida, apesar das minhas informações sobre a impreparação daquele Engenheiro para o cargo e sobre as naturais consequências no cumprimento dos programas da BSFM.

Para ambos os dirigentes, verdadeiramente importante era manter aquela hierarquia, que tinha sido muito incorrectamente estabelecida, embora dela estivessem a resultar graves prejuízos para o País!

Foi mais uma ostensiva manifestação do “Poder em oposição ao saber”.

Curiosamente, em ligação com o meu ofício contestando a legitimidade da Ordem de Serviço de Guimarães dos Santos, eu tinha recebido, em jeito de conselho amigo, aviso de colega que se tinha instalado em Lisboa e que viria, anos mais tarde a conseguir do Ministro Nobre da Costa, nomeação de Director-Geral Gabinete para a Prospecção e Exploração de Petróleo, isto é, de Organismo que nem prospectava nem explorava petróleo e apenas acompanhava, com intenção fiscalizadora, difícil de cumprir, perante a complexidade dos problemas técnicos envolvidos, o que Empresa privada ia fazendo neste âmbito (Ver post N.º 118).
Nesta mensagem, avisava-me dos riscos da minha atitude, pois está estabelecido na Função Pública, que ... “os Chefes têm sempre razão” (Ver post N.º 23 )

Pelo que me diz respeito, Soares Carneiro confirmou, logo no início do seu mandato, as minhas suspeitas de que não iria facilitar a minha actividade.

Não teve coragem de induzir Guimarães dos Santos a anular a insensata Ordem de Serviço, que designava Fernando Silva para a chefia da BPG, assim desprezando a opção por mim apresentada, que solucionaria muito melhor o problema originado pelo falecimento de La Cueva Couto.

Não seria, afinal, a primeira vez que Guimarães dos Santos seria convidado, por um Director-Geral, a anular uma infeliz Ordem, Tal foi o caso da correcção diplomaticamente aconselhada por Castro e Solla a uma Ordem que alterava a residência oficial de grande número de funcionários, a qual teria muito negativos reflexos nos proventos destes funcionários (Ver post N.º 24).

Mas de Carneiro não era expectável um comportamento diplomático.

Assisti a muitas das atitudes grosseiras, que adoptava, em demonstração de autoridade. Curiosamente, um dirigente de importante Companhia mineira canadiana, com o natural à-vontade que o convívio em trabalho havia gerado, quando se referia a Soares Carneiro, apelidava-o de “the grocer”, isto é, “o merceeiro”, sem ofensa para esta digna classe de trabalhadores.

Infelizmente este mau exemplo teve seguidores, que chegavam a ufanar-se de até o excederem, acabando com uma aristocracia de trato, que caracterizava anteriormente o corpo de técnicos da DGMSG.

Contrariamente ao posicionamento de Castro e Solla (Ver Post N.º 197), Soares Carneiro iria ter permanente intervenção no SFM, apropriando-se, praticamente, deste importante departamento da DGMSG. As suas arbitrariedades começaram logo a causar-me preocupação. Um exemplo pouco edificante foi a sua ordem para suspensão de campanha de sondagens que estava em curso na região de Montemor-o-Novo, na Mina de cobre de Alcalaínha, com base em anomalias registadas pela aplicação do método electromagnético Turam.

A Brigada de Sondagens, encarregara para dirigir a execução desta campanha, o Agente Técnico de Engenharia Raul da Silva Dionísio, que tinha sido companheiro de trabalho da Soares Carneiro, na Brigada do Norte do SFM. Aparentemente, Soares Carneiro não nutria simpatia por Dionísio, por motivos que eu desconhecia. Aconteceu que a vila de Montemor-o-Novo, onde Dionísio residia temporariamente, fora dotada de uma Escola Técnica, que lutava ainda com carências de pessoal docente. Dionísio foi convidado a colaborar, para preencher lacunas, dentro das suas competências. Pediu autorização superior para prestar essa útil colaboração. Soares Carneiro, não conseguindo melhores argumentos para recusar a colaboração, mandou transferir Dionísio para local distante de Montemor-o-Novo, suspendendo a campanha que estava em curso na Mina de Alcalainha!!!

Não era estimulante este prenúncio sobre o modo arbitrário como Soares Carneiro iria exercer o seu poder, impedindo a transmissão de saber, sem respeito pelos interesses do País.

Apesar disso, o facto de termos sido contemporâneos na Universidade e colegas de idêntica categoria na hierarquia da DGMSG, dava-me grande à-vontade para lhe expor, com firmeza, as minhas opiniões e alimentar esperanças de que as passasse a ter na devida consideração. .

Continua …

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