sexta-feira, 6 de abril de 2012

195 - Um novo Plano Mineiro Nacional. Continuação 19

Continuo a citar casos de sondagens deficientemente programadas e (ou) imperfeitamente executadas, que não foram explicitados por José Goinhas, na sua história da “Prospecção Mineira em Portugal”, com a qual pretendia, “pedagogicamente” contribuir para “novo Plano Mineiro Nacional".

13 – Campanha de sondagens, na zona do Salgadinho, da Região de Cercal – Odemira

Quando o Governo, em 1939, chamou a si a responsabilidade de promover o inventário dos recursos minerais do País, com vista ao seu racional aproveitamento, uma das primeiras iniciativas, que tomou, foi seleccionar, para investigação, a Região mineira de Cercal – Odemira.

A definição de reservas de minérios de ferro, que pudessem ser utilizadas em siderurgia a implantar no País, tinha prioridade, nos programas do Governo.

A Região de Cercal – Odemira era considerada com potencialidade para cumprir esse desiderato, pois nela eram conhecidos numerosos filões, em cujo enchimento ocorriam, em associação com óxidos de ferro, óxidos de manganés, que constituíam valioso contributo para o processo metalúrgico.

Tendo sido criado o Serviço de Fomento Mineiro (SFM), na dependência da Direcção – Geral de Minas e Serviços Geológicos, os estudos na Região de Cercal – Odemira tiveram início no princípio da década de 40 do passado século.

A qualidade inicial desses estudos reflectiu a inexperiência do pessoal técnico (Engenheiros, Geólogo, Agentes Técnicos de Engenharia recém-licenciados), que então, foi possível destacar, para sua realização.

Publicações da época são elucidativas dos erros grosseiros, que tinham passado despercebidos a dirigentes mais habituados a fiscalizar do que a produzir trabalho no terreno (os técnicos de papel selado, referidos por Castro e Solla). (Ver post N.º 1)

Acrescia ainda a circunstância de a Europa estar envolvida na 2.ª Guerra Mundial e daí advirem sérias dificuldades na aquisição dos equipamentos indispensáveis à execução dos trabalhos, que não estavam disponíveis no mercado nacional.

Apesar dos factos que acabo de referir, vários técnicos do SFM, que estiveram envolvidos em actividades mineiras, quer na Região de Cercal – Odemira quer em outras zonas do Sul do País, foram, em 1947, convidados, a prestar colaboração em estudos na província ultramarina de Moçambique, na convicção de que, nessa data, já tinham adquirido experiência para bem desempenharem as funções que lhes iam ser atribuídas.

Eu chefiava, então, a Brigada de Prospecção Eléctrica, que, aplicava sobretudo o método electromagnético Turam, visando descobrir concentrações de pirites complexas, idênticas às que se encontravam em exploração nas Minas de S. Domingos, Aljustrel e Louzal - Caveira.

Fui, nessa data, agradavelmente surpreendido, com dois honrosos convites.

O primeiro era para chefiar a Brigada do Sul do SFM, que tinha ficado seriamente desfalcada de pessoal técnico, superior e médio.
Esta Brigada dedicava-se, então, essencialmente a investigações por trabalhos mineiros tradicionais (sanjas, galerias e poços) em jazigos ou ocorrências minerais anteriormente descobertas.

O segundo era para chefiar uma Brigada em Angola, idêntica à que tinha originado a debandada dos técnicos para Moçambique.

Embora o segundo convite fosse deveras aliciante, pois lhe correspondia confortável remuneração, optei por recusá-lo, por não ter experiência em trabalhos mineiros clássicos, pois a minha actividade tinha-se desenvolvido exclusivamente à superfície.

Eu esperava adquirir essa experiência, na Brigada do Sul do SFM, que já tinha uma organização, na qual facilmente me integraria, instituída pelos técnicos que tinham ido, em comissão de serviço para a província ultramarina de Moçambique.

O Engenheiro Rogério Cavaca, autor do convite, quando a ele me dirigi, pessoalmente, a justificar a minha recusa, ficou altamente surpreendido, pois não era habitual alguém declarar-se incompetente para exercer funções sobretudo num caso de tão boa remuneração.

Quando passei a exercer o cargo que aceitara na Brigada do Sul, fui progressivamente constatando que teria de introduzir significativas correcções em procedimentos adoptados, em todas as Secções (Montemor-o-Novo, Alvito, Moura, Cercal do Alentejo e Odemira), os quais além de diminuírem a sua eficácia, punham em causa a qualidade dos resultados e, nalguns casos, afectavam a segurança dos trabalhadores.

No que respeita às Secções de Cercal do Alentejo e Odemira, onde estivera integrado um Geólogo, tudo quanto consta de relatórios publicados ou não, a respeito da geologia da Região, está totalmente errado.

Apesar de já existir um estudo do Geólogo alemão Heinrich Quiring (Ver post N.º12), que assinalava a ocorrência de rochas ígneas, este estudo não foi levado a sério, sendo considerada fantasiosa a interpretação apresentada para a estrutura geológica.

Mas, quando eu me ocupava a visitar antigas concessões mineiras, para avaliar da possível conveniência de nelas realizar estudos, deparei com afloramentos de rochas ígneas, com bem conspícuos fenocristais, no Cerro dos Cunqueiros, na Herdade, do Castelo, idênticas às que bem conhecia na Faixa Piritosa (Ver post N.º 17).

Perante esta descoberta, que vinha confirmar as minhas ideias, que progressivamente tomavam consistência, durante as minhas visitas aos trabalhos mineiros em curso, quanto ao real enquadramento geológico dos filões ferro – manganíferos da Região, estabeleci um programa de itinerários, para ajuizar da extensão em que afloravam estas rochas que, posteriormente, seriam interpretadas como originadas por vulcanismo fissural submarino.

Concluí tratar-se de mancha de rochas vulcânicas, com extensão e características comparáveis às das maiores manchas da Faixa Piritosa.

Decidi, então, destacar para fazer o seu levantamento, em cartas à escala de 1:5 000, o Auxiliar de Geologia João Joaquim, que tinha ingressado no SFM, em 1944, durante a minha chefia da Brigada de Prospecção Eléctrica e que eu tinha previamente instruído para o desempenho desta tarefa.

João Joaquim, com a minha permanente assistência, cumpriu perfeitamente o trabalho de que o encarreguei e foi-me ainda possível incluir esta mancha de rochas vulcânicas, em peça desenhada constante do relatório “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo”, que foi publicado em 1955, no Volume X de “Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro”.

O “historiador” José Goinhas, apesar de citar, na sua extensa bibliografia, não só esta publicação, mas também o meu relatório não publicado, com data de 1957, “Jazigos ferro - manganíferos de Cercal – Odemira”, onde é apresentado o levantamento geológico da Região, com todo o pormenor, em mapas à escala de 1:25 000, apenas menciona artigo de Delfim de Carvalho, com data de 1976, quando se refere à potencialidade revelada para a ocorrência de jazigos de pirite complexas!!!!!!.

José Goinhas também opta por não dar relevo á aplicação da técnica gravimétrica, nesta Região, e à execução de sondagens no extremo sul da mancha de rochas vulcânicas, onde eu tinha descoberto filões com abundante mineralização de sulfuretos de cobre, chumbo e zinco, acompanhada de elevados teores de prata (caso da Mina Torgal, referido no post N.º 17)

Não ignorou, todavia, campanha de sondagens da responsabilidade de Delfim de Carvalho, que teria conduzido à descoberta do que passou a ser denominado “jazigo do Salgadinho”.

Mas a triste realidade foi que a campanha representou mais uma confirmação do carácter pouco escrupuloso de Delfim de Carvalho, que se auto-promovera a experiente prospector.

Delfim de Carvalho tinha conhecimento da decisão tomada, em reunião sob a minha presidência, quando eu ainda detinha a qualidade de Chefe da 1:ª Brigada de Prospecção, relativamente às investigações a realizar, na zona do Salgadinho, após a análise dos resultados da sondagem N.º1.

Esta sondagem, que se baseara em discreta anomalia gravimétrica, com escasso apoio geoquímico, em local de geologia favorável, definido anteriormente ao ingresso de Delfim de Carvalho no SFM, revelara mineralização cuprífera disseminada em rocha vulcânica, conduzindo à hipótese de se estar em presença de stockwork cuprífero.

Não era, nessa data (Maio de 1974) viável fazer extracção de anomalia gravimétrica residual, com suficiente rigor, que levasse a definir a extensão e a importância desta mineralização.
Teriam sido necessárias novas observações e mais perfeitos cálculos das correcções, ou mais elaborados tratamentos matemáticos (carta de segundas derivadas, por exemplo) que, ainda sem acesso a computadores, eram impraticáveis.

Não estavam previstas novas sondagens, antes de se conhecerem resultados da aplicação da técnica de polarização induzida, específica para este tipo de ocorrências minerais.

A aquisição de equipamento de polarização induzida constava já de requisição, que tinha merecido favorável acolhimento.

Havia a consciência de que, se novas sondagens viessem a justificar-se, elas teriam de ser profundas e portanto dispendiosas.

Mas, em 1975, o maquiavélico Soares Carneiro, (Director-Geral de Minas, que se assumia como real dirigente do SFM), ex-comunista confesso, convertido ao fascismo salazarento e, de novo, declarado democrata adepto das ideias proclamadas pela Revolução de Abril de 1974, entendeu oportuno dar concretização a plano que concebera de se apoderar da 1.ª Brigada de Prospecção, entregando-a ao seu afilhado de baptismo e casamento Delfim da Carvalho.

Para a concretização deste objectivo, usou subordinados tornados dóceis, em agradecimento por favoritismos recebidos, capazes de se encarregarem do trabalho sujo, de que não queria passar por autor (o seu adjunto Costa Almeida, vulgarmente designado por Ajax, o mais poderoso e Múrias de Queiroz, Director do SFM) e matéria (perda de ajudas de custo, que era uma espécie de bomba atómica, a utilizar como ameaça, concretizável em casos extremos, cuja aplicação já fora tentada, porém sem êxito, no mandato de Guimarães dos Santos) (Ver posts N.ºs 24 e 81 a 91).

O inexperiente Delfim de Carvalho, tendo conseguido apoderar-se da chefia da 1.ª Brigada de Prospecção, rapidamente projectou uma série de sondagens profundas, localizadas muito próximas de bom indício anteriormente encontrado, para poder apresentar sucessivos resultados com algum interesse, que lhe permitissem apresentar-se como grande descobridor de valioso jazigo mineral, não se preocupando com o avultado dispêndio de dinheiro do erário público, que iria originar, consciente da conivência do seu padrinho e da total ignorância de governantes em matérias da indústria mineira nacional.

Salgadinho passou a ser mencionado por Delfim de Carvalho, em paralelo com Neves – Corvo (Ver post N.º 86), mas não consta que tenham sido calculadas reservas nem apresentados teores do minério cubicado.

Goinhas, nos seus Quadros sobre “Projectos PIDDAC de prospecção desenvolvidos em 1980 e 1981”, dá conta do recomeço e da conclusão da campanha de sondagens na jazida de cobre do Salgadinho, classificando de sub - económicas as mineralizações detectadas.

Foi mais um “mons partiriens”, resultante da quebra da disciplina a que deve obedecer a prospecção, idêntico ao que Soares Carneiro concebera, quando se arvorou em dirigente dos estudos destinados a descobrir os grandes jazigos de scheelite (as Torres dos Clérigos, na sua curiosa expressão), que teriam passado despercebidos, devido á semelhança da scheelite com minerais sem valor comercial (Ver post N.º 56)!

Observação: Salgadinho é repetidamente mencionado por Goinhas, com localização na freguesia de S. Luís do concelho de Odemira, quando a real localização é na freguesia de Cercal do Alentejo do concelho de Santiago de Cacém.
É mais uma demonstração da falta de cuidado de Goinhas, na elaboração do seu pedagógico texto, sobre a “Prospecção Mineira em Portugal” baseado em documentos que consultou levianamente e não em conhecimento directo da matéria apresentada.
De realçar que se tratava de campanha de sondagens, que teria sido objecto de constante apreciação, durante dois anos, nas reuniões da Brigada em que estava integrado!

Continua…

Sem comentários: