quinta-feira, 19 de setembro de 2013

222 - Reflexões sobre os recursos minerais de Portugal. Continuação 13


Alterações ocorridas, em 1963, em altos cargos da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG), tiveram notáveis reflexos positivos no aproveitamento dos nossos recursos minerais, mas também houve efeitos muito negativos, que poderiam ter sido evitados.
Foi positivo o afastamento de Fernando Silva da prospecção geofísica.
A fugaz passagem deste Engenheiro pela chefia da Brigada supostamente especializada (BPG), apesar de limitada a escassos meses, ficou bem assinalada.
De facto, estando a BPG já equipada com um gravímetro, seria aconselhável procurar a confirmação, pelo método gravimétrico, de anomalias magnéticas, antes de passar à fase de sondagens.
Assim não entendeu, porém, Fernando Silva, quando Soares Carneiro, para satisfazer mero capricho pessoal, lhe solicitou projecto de sondagem, na Faixa Magnetítica.
Carneiro precisava de argumento convincente, para transferir o Agente Técnico de Engenharia Raul Dionísio, para área distante de Montemor-o-Novo (Ver post anterior).
Fernando Silva apressou-se a seleccionar anomalia registada na zona de rochas básicas da região de Odivelas do concelho de Ferreira do Alentejo, sem cuidadoso exame da totalidade dos resultados da campanha em curso, na Faixa Magnetítica.
A óbvia consequência foi um inútil dispêndio e mais atraso no cumprimento dos projectos bem fundamentados.

Entretanto, Guimarães dos Santos, decidiu terminar as funções de Director do Serviço de Fomento Mineiro (SFM), que exercia, desde 1948, e concorrer ao Conselho Superior de Minas, para ocupar vaga de Inspector Superior, originada pela aposentação de anterior titular.

Assim se libertaria das responsabilidades inerentes ao cargo de maior importância na DGMSG.
Preferiu uma cómoda situação de “semi-reforma”, pois, como já tive ocasião de comentar, aquele Conselho evoluíra para uma espécie de “Brigada do Reumático”, pouco produzindo e, nem sempre com a lucidez que a designação requeria.
Na despedida, foi alvo de homenagem, por pessoal do SFM, para o efeito convidado, e também por funcionários de outros departamentos da DGMSG.
Era óbvia que eu não iria participar em tal manifestação de apreço, por motivos abundantemente descritos nestas “Vivências".
Tive, porém, conhecimento de que Soares Carneiro fez rasgado elogio do homenageado, chegando a compará-lo a Cristo, ao permitir que o agredissem numa face, oferecendo a outra, pois, se o caso se passasse com ele, nem uma face teria oferecido!
Muitos interpretaram que o agressor teria sido eu!!
Em jeito de agradecimento, Guimarães emitiu Ordem de Serviço, com louvor generalizado a todos os funcionários com 15 ou mais anos de serviço.
Achei ridículo este modo de premiar o mérito. Não me senti honrado com tal benesse, que também me contemplava!
Não posso, todavia, deixar de registar a resposta de Soares Carneiro, quando eu, ouvindo as suas referências pouco abonatórias ao desempenho das funções de Director do SFM, por Guimarães dos Santos, lhe chamei a atenção para a incoerência com o elogio que proferira, no dia da homenagem.
Deu a seguinte hilariante explicação: “Aquelas palavras eram para discurso!”

A Direcção do SFM passou a estar, interinamente, confiada ao Engenheiro Múrias de Queiroz que, até então, se ocupara, quase exclusivamente, da organização dos processos burocráticos de aquisição de equipamentos requeridos pelos trabalhos mineiros. O seu paupérrimo currículo não o creditava para exercer o cargo de Director do SFM (Ver post N.º 25).
Em conversa informal com Soares Carneiro, adverti-o dos óbvios inconvenientes, caso a nomeação se concretizasse.
Mas já fui tarde. Soares Carneiro revelou-me que o Secretário de Estado, Edgar de Oliveira que, tinha sido confrade de Múrias de Queiroz, na JUC (Juventude Universitária Católica), não se descuidara no proteccionismo ao seu correligionário.
Já o tinha indigitado para aquelas funções (Ver post N.º 25).
Todavia, Soares Carneiro acentuou que tal nomeação seria transitória e que, em futuro próximo, eu seria convocado para assumir a direcção do SFM.

De facto, a nomeação de Múrias de Queiroz ia sendo protelada. Significaria discordância, podendo chegar a rejeição?
Os funcionários tinham, porém, poucas dúvidas quanto ao forte peso da política e da religião, em casos como este.
Múrias de Queiroz, seguro da protecção do seu confrade Edgar de Oliveira, tomou a iniciativa de se dirigir a Soares Carneiro, argumentando que a remuneração de Director estava a fazer-lhe falta, para acorrer às despesas com a sua numerosa prole.
Soares Carneiro, perante tão estranho argumento, teve reacção de idêntico calibre e exigiu que Múrias de Queiroz lhe escrevesse uma carta a apresentar o pedido!!
Fiquei estupefacto quando esta notícia foi divulgada. Novamente Soares Carneiro se assumia como “dono” da DGMSG.
Mais estupefacto fiquei, quando soube que Múrias de Queiroz se prestou a tal ofensa à dignidade do cargo, ao qual já se julgava com pleno direito!!!

No decurso do tempo, percebi que, afinal, na estratégia concebida por Soares Carneiro, para tirar o maior proveito do poder que lhe fora confiado, era muito mais vantajoso ter como Director do SFM, indivíduo com o carácter subserviente que Múrias de Queiroz demonstrava.
E, como lhe tinha prestado o “favor” de o nomear, quase lhe fazendo sentir que tal não merecia, considerava-se com direito a compensações, dando jus ao velho ditado “Não há almoços grátis”.
Essas compensações foram ao ponto de se assenhorear totalmente do SFM.
As novas instalações do SFM, em S. Mamede de Infesta (Ver post N.º 31), que Soares Carneiro designou por “Laboratórios da DGMSG”, sem a mínima objecção de Múrias, eram, na gíria corrente, designadas como … “Quinta do Carneiro”, sendo Múrias o caseiro!

Ainda sem nomeação definitiva, mas confiante no incondicional apoio do Secretário de Estado, Múrias de Queiroz tinha efectuado, em Abril e em Maio de 1962, visitas à Brigada do Sul, para me dar conhecimento da sua intenção de instituir uma nova Organização do SFM, na qual, eu deixaria os Trabalhos Mineiros.
Eu perderia a Secção de Moura e Barrancos e a Secção de Castro Verde, isto é, as Secções dotadas do melhor pessoal, habituado a comigo cooperar.
Seria o “infiltrado do Norte”, Fernando Silva a assumir o pesado encargo de orientar, superiormente, estes que eram, então, os mais evoluídos núcleos de actividade de todo o SFM.

Fernando Silva iria, finalmente, conseguir capturar-me a chefia da Brigada do Sul, assim confirmando as minhas suspeitas (Ver post anterior).
Este seria o reflexo muito negativo das alterações nos cargos dirigentes da DGMSG, que facilmente poderia ter sido evitado.
Insistentemente, tentei esclarecer Múrias de Queiroz dos graves inconvenientes da entrega das Secções de Moura e Barrancos e de Castro Verde, que dispunham de pessoal técnico de elevada competência a Engenheiros inexperientes, como ele tinha decidido.
Informei-o de que os longos anos de convívio laboral com esses técnicos, me autorizava a afirmar que seria fácil manter a orientação dos Trabalhos Mineiros no Sul do País, dando cumprimento a projectos por mim concebidos.
A meu cargo, iria ficar um Serviço que teria, entre outras atribuições, os estudos geológicos e os trabalhos de prospecção mineira, em todo o território metropolitano.
Nele seriam incorporados núcleos do Norte e do Sul, onde era tradicional a tolerância na qualidade e na produtividade do trabalho.
No decurso do tempo, este novo Serviço revelar-se-ia um reflexo muito positivo das alterações nos cargos dirigentes da DGMSG.
De facto, o Serviço de Prospecção Mineira que pacientemente fui organizando, transformou-se no mais importante departamento, não apenas do SFM, mas de toda a DGMSG.
A ele se ficaram devendo os maiores êxitos mineiros, obtidos em Portugal, em todos os tempos, merecendo especial destaque a descoberta do já célebre jazigo de cobre, chumbo, zinco e outros metais, de Neves – Corvo, na Região de Castro Verde – Almodôvar (Ver posts N.ºs 37 a 43).
Enquanto isso acontecia, o sector dos Trabalhos Mineiros ia sofrendo progressiva degradação, até à sua completa extinção.
Confirmando as minhas pessimistas previsões, Fernando Silva, no Sul e Orlando Cardoso, no Norte, assumiam o papel de “coveiros” do importante sector de “Trabalhos Mineiros”, no qual eu até projectara instituir uma verdadeira Escola de Minas, para completar a formação dos futuros Engenheiros de Minas (Ver post N.º 122)

Continua …

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